Investimentos estratégicos anunciados e a formação de Hubs renováveis destacam o papel do Brasil neste mercado importantíssimo.

No artigo de hoje, em coautoria com Camila Affonso, sócia do Leggio Group, e seu time de consultores, temos como objettivo explorar as oportunidades e os principais desafios relacionados ao hidrogênio no contexto da transição energética brasileira e global, destacando os principais projetos, iniciativas e vantagens competitivas do Brasil neste mercado em forte expansão. O tema é simultaneamente relevante e específico, motivo pelo qual trago para esta coluna a parceria com o time Leggio, especialistas no tema e no setor.

Vamos lá?

A transição energética é uma das mais importantes pautas mundiais e entramos em 2025 com expectativas altas para a continuação dessa tendência. No Brasil, programas como o Combustível do Futuro (tema já tratado nesta coluna – clique aqui para ler) constituem marcos para o fomento de novas tecnologias e soluções sustentáveis para o país. Adicionalmente, a aprovação do Programa de Aceleração da Transição Energética (PATEN) no Senado no ano passado e as mudanças implementadas ao RenovaBio dão maior segurança e abrem oportunidades para empresas que visam investir no setor de biocombustíveis e em outras soluções sustentáveis.

Nesse sentido, algumas tecnologias têm se destacado principalmente pelo seu potencial de produção brasileira e forte demanda externa.

Entre elas, o chamado hidrogênio verde desponta como uma das alternativas mais viáveis globalmente, por ser produzido com energia de fontes renováveis (como solar e eólica) sem emissões de carbono. Esse produto emerge como uma solução promissora para os desafios da transição energética mundial por sua versatilidade, podendo ser usado tanto como fonte de energia quanto como matéria-prima em processos industriais, desempenhando um papel crucial na descarbonização.

A título de curiosidade, além do hidrogênio verde (produzido a partir de fontes renováveis de energia), também há “hidrogênios de outras cores”, como o cinza, o azul, o preto, o rosa etc. (Preferimos não entrar em detalhes aqui para não tirar o foco deste artigo, mas cada cor está relacionada à matéria-prima utilizada e ao processo de produção.)

No caso do hidrogênio verde, destaca-se o uso de biomassa: resíduos agropecuários e até etanol podem ser utilizados para a produção de hidrogênio 100% renovável. A abundância de recursos naturais e a produção agrícola no Brasil cria uma expectativa de que o hidrogênio de biomassa possa ter um papel importante no mercado global futuro.

Atualmente, o hidrogênio é utilizado principalmente no setor de refino e na produção de amônia (para produção de fertilizantes nitrogenados) e sua produção é primariamente a partir de fontes fósseis, o que conhecemos como hidrogênio cinza. Contudo, o aumento da viabilidade econômica e a popularização dos programas de fomento à produção de hidrogênio 100% renovável tem impulsionado novos usos, voltados para a descarbonização. Os setores de transporte, combustíveis, energia e a indústria devem ser os principais consumidores do novo produto.

Segundo dados da Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês), o consumo global de hidrogênio pode aumentar em 50% do patamar atual até 2030. Esse volume hoje é de 97 milhões de toneladas ao ano, porém cerca de apenas 1% se origina de fontes renováveis.

Contabilizando todos os programas de fomento ao hidrogênio verde já estabelecidos até o momento, foi estimado que a demanda possa exceder a marca de 6 milhões de toneladas até o final da década. Entretanto, esse volume precisaria passar de 60 milhões ao ano para atingir as metas globais de neutralidade de carbono

No caso do Brasil, temos algumas vantagens naturais que podem viabilizar altos volumes de exportação desse produto para grandes centros consumidores na Europa, haja vista a recente corrida para firmação de acordos comerciais e memorandos de entendimento entre empresas globais e possíveis produtores brasileiros. Apesar do grande potencial de todo o litoral brasileiro, o maior destaque tem se concentrado na região nordeste, pela presença de ventos fortes e constantes, tornando a região uma escolha natural para a produção de energia eólica, um dos insumos para a produção do hidrogênio verde.

O entendimento sobre o posicionamento brasileiro como potencial supridor global desse produto vem sendo percebido pelo mercado, dado que vários projetos e investimentos do setor estão sendo anunciados no Brasil por diversas empresas, não só brasileiras, mas também globais.

Atualmente, o maior projeto de produção de hidrogênio renovável no Brasil é a montagem de um complexo (Hub) produtor no porto de Pecém, no Ceará.

O projeto prevê uma produção anual de 1,2 milhão de toneladas de hidrogênio, sendo a Europa o principal destino de exportação. Isto será possível através da instalação de diversas empresas no complexo, o que possibilitará esta produção.

De acordo com o governo do Ceará, estima-se que os pré-contratos assinados no estado possuem investimentos na ordem de US$ 24 bilhões, entre eles da empresa australiana Fortescue e da empresa norueguesa Fuella AS, com investimentos estimados em US$ 5 bilhões e R$ 9 bilhões, respectivamente.

Outro projeto com alta possibilidade de movimentação é o projeto da Quinto Energy, com projeção de produção de até 930 mil toneladas de hidrogênio anuais. O projeto tem participação da gigante chinesa CGN com foco na produção a partir de energias solar e eólica na região de Aratu, na Bahia.

A empresa francesa Qair também se destaca por possuir vários projetos de hidrogênio em seu pipeline para os próximos anos, com potencial relevante em diversos portos do nordeste, como Pecém e Suape.

Empresas tradicionais também têm entrado no mercado de hidrogênio verde. Algumas das mais queridas da bolsa de valores, como Petrobras, Eletrobras e White Martins (do grupo Linde, essa listada na bolsa americana, mas com BDRs disponíveis na B3) já estão com seus próprios projetos e muitas, inclusive, já iniciaram os investimentos em plantas de pequeno e médio porte. Por outro lado, a Shell suspendeu seu principal projeto de hidrogênio verde no porto do Açu e vai reavaliar sua estratégia global de investimento neste produto.

Um dos principais desafios para o comércio de hidrogênio é a dificuldade em seu transporte, uma vez que o potencial desse combustível depende de uma cadeia logística bastante robusta e que seja capaz de conectar os locais de produção às demandas globais de maneira eficiente e econômica.

O transporte do produto em sua forma pura – seja ela líquida ou gasosa – é ainda pouco eficiente e encarece o transporte, inviabilizando alguns projetos onde o ponto produtor está longe do consumidor. Assim, a distância entre o Brasil e os grandes polos consumidores na Europa e Ásia se põe como um dos principais desafios.

No entanto, existem alguns processos físico-químicos que podem tornar o transporte mais eficiente, dentre os quais se destaca a transformação do hidrogênio em amônia.

Ou seja, em vez de realizar o transporte do insumo hidrogênio, a ponta de origem converte o hidrogênio em amônia, realiza-se o transporte nesta forma, e a ponta final converte novamente a amônia em hidrogênio.

Outra opção, é realizar o transporte já do produto final em si (amônia verde ou aço verde, por exemplo), de modo que a ponta de origem seja responsável por toda a cadeia produtiva daquele produto (ao invés de se produzir e exportar apenas os insumos). Com isso, teríamos maior competitividade nas exportações e maior crescimento da indústria nacional.

Esperamos ter conseguido chamar a atenção para este relevante o tema. O hidrogênio verde representa uma ótima oportunidade de impulsionar a transição energética brasileira e global, contribuindo para um futuro mais sustentável.

Embora os desafios logísticos, tecnológicos e financeiros ainda sejam significativos, os avanços em hubs como o Porto de Pecém, o desenvolvimento de novas tecnologias de transporte e armazenamento, e os modelos inovadores de financiamento alimentam sua viabilidade. Ao apostar em infraestrutura e inovação, o hidrogênio verde pode cumprir seu papel como o pilar central de uma economia neutra em carbono.

FONTE: VALOR INVESTE

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