Mecanização e reaproveitamento de dejetos estão entre as prioridades das empresas do segmento na região.

As usinas de cana-de-açúcar do Nordeste do país têm ampliado o uso de máquinas na produção e apostam no crescente reaproveitamento de rejeitos, como a vinhaça, para estimular a fabricação de etanol e outros biocombustíveis, mas ainda esbarram em características bem particulares dessa cultura na região, como as restrições do relevo.

Representantes da indústria e outros especialistas trataram de alguns desses temas nesta segunda-feira (2/9), em Recife, no 10º Fórum Nordeste. Durante as discussões, empresários e autoridades disseram ver na reforma tributária um caminho para aumentar a arrecadação do Nordeste, o que gradualmente poderia elevar a oferta de recursos para os esforços de industrialização.

Em Pernambuco, o maior desafio da cadeia de produção de cana-de-açúcar continua a ser o fato de que grande parte da colheita é manual. Como o relevo da Zona da Mata pernambucana é bastante acidentado, a mecanização de toda a área de produção de cana ainda é inviável.

De acordo com Eduardo Queiroz Monteiro, presidente do grupo EQM, nos últimos anos, o número de usinas diminuiu em Pernambuco, passando de 38 unidades para as 13 que estão em operação atualmente. Já o volume de produção não caiu tão de maneira tão acentuada, passando de 20 milhões de toneladas para 14 milhões na safra 2023/24.

“As usinas que restaram têm uma situação muito consolidada. Elas resistiram, tiveram resiliência, foi um processo bem duro e selvagem de centralização e concentração. No fim, sobrevivemos e estamos perto dos portos, das grandes cidades, temos infraestrutura para exportação privilegiada (…) e, ao mesmo tempo, estamos discutindo com o Centro-Sul uma pauta comum”, disse Monteiro à Globo Rural.

Para o executivo, rediscutir um salto na produção do Nordeste e, ao mesmo tempo, uma retomada dessa produção em Pernambuco é estimular a instalação de indústrias verdes, de biocombustíveis como biogás e biometano, produzidos a partir de resíduos como a vinhaça, além do etanol.

Segundo ele, a mecanização da colheita da cana está melhorando, mas apenas 40% das áreas de canaviais das usinas ficam em terreno plano. “O resto fica no relevo de encosta, o que nos obriga a procurar máquinas que sirvam a essa realidade. Essa cana, que é cortada há 500 anos no facão, tem sido motivo de buscas na biotecnologia, na genética e na mecanização de encosta, que é o maior desafio do Nordeste”, ressaltou.

Atualmente, o EQM, um dos maiores grupos do segmento em Pernambuco, tem três usinas – a Cucau, em Rio Formoso (PE), uma em Rio Largo (AL) e outra, a mais recente delas, em Arês (RN). Somadas, elas têm capacidade de moagem de 4,7 milhões de toneladas, em média.

Segundo Monteiro, os investimentos nas três unidades estão voltados à produção de biocombustíveis. A usina potiguar, a Estivas, será a primeira a fabricar biometano de alta pureza, em um projeto em parceria com a ZEG Biogám , da Vibra Energia, do qual o Grupo EQM ter uma fatia de 50%.

Reestruturação nordestina

“Para um passo de expansão de biogás, de biometano, de hidrogênio (que ainda está longe) nós estamos buscando em grupos que investem para que possamos ser fornecedores desses grupos, seja através da vinhaça ou da fermentação do etanol. O grande desafio é que para dar esse salto nós vamos precisar que grupos importantes abram o capital, ter acesso a linhas de créditos, temos que pensar no mercado de capitais até mais do que no mercado financeiro”, avaliou Monteiro.

A cultura da cana-de-açúcar está relacionada à colonização de Pernambuco. Na cena cultural da capital Recife, teatros ocupam o lugar de armazéns do açúcar. No entanto, o Estado foi perdendo força na produção ao longo dos últimos 50 anos. O setor, porém, vê impulso em investimentos industriais para produção de energia renovável e etanol a partir da commodity e se organizam para tentar saltar na verticalizarão do produto e na melhora da cadeia, destinando o que é resíduo, como a vinhaça, para biocombustíveis.

O presidente do grupo Ouro D’água, Gilberto Tavares, também considera as condições de relevo muito difíceis para mecanizar e o índice pluviométrico oscilando muito, com anos de secas e anos de chuvas, o que atrapalha muito o crescimento. “Hoje, estamos no limite máximo da produção e todas as áreas estão ocupadas pelas usinas que restaram”, falou à reportagem.

A capacidade do grupo é de moagem de 5 milhões de toneladas ao ano. Na safra 2023/24, o resultado foi de 4,7 milhões, e a expectativa é repetir a safra anterior devido aos custos e ao clima, ao passo que o empresário não prevê incêndios como os de São Paulo. “Como convivemos muito com a seca, a nossa prevenção com brigadas e caminhões-pipa é constante. Quando acontecem as queimadas, elas são pontuais”, afirmou.

Projetos verdes

Em relação aos projetos verdes, Tavares contou que o grupo está analisando os investimentos em biometano, pois o aporte é milionário e precisa de muito estudo, situação da maior parte das indústrias de Pernambuco, que, segundo ele, está na transição verde. Ele contou que é necessário não investir errado e na safra 2024/25 já foi investido 200 milhões para custear uma fábrica de açúcar em Pedra de Fogo (PB), que foi uma forma de verticalizar a produção no varejo e, como próximo passo, é tentar investir em sustentabilidade através de energias renováveis.

Durante o encontro, o vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços do Brasil (MDIC), Geraldo Alckmin, ressaltou que o avanço das usinas associado à produção de biogás, biometano, hidrogênio de baixo carbono também vai depender de como é feita essa produção.

“Temos muita oportunidade e o Brasil é um dos principais países a oferecer segurança energética limpa no combate a mudança climática. Para isso, a reforma tributária vai ajudar e o Nordeste será muito beneficiado com o aumento da arrecadação ao longo do tempo, ajudando a indústria, inclusive da cana, a agregar valor”, disse Alckmin.

Atualmente, Alagoas, Pernambuco e Paraíba são os principais produtores de cana-de-açúcar do Nordeste.

Fonte: Globo Rural